Desafios da Lei de Adoção – artigo de Marcello Richa

O governo federal lançou, até o dia 4 de novembro, uma consulta pública para receber sugestões de entidades e população para elaboração de um projeto de Lei que será enviado ao Congresso Nacional e que irá alterar a Lei de Adoção do país.

A discussão é de extrema importância, uma vez que o Brasil vive uma estranha realidade quando se analisa os números do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), em que encontramos cerca de 36,5 mil crianças e adolescentes em unidades de acolhimento, porém apenas 6.567 estão aptas a serem adotadas.

Inicialmente, quando uma criança dá entrada em um abrigo, a Justiça busca reintegrá-la a família biológica, seja aos pais ou outros parentes. Este é um processo que deveria levar no máximo dois anos, prazo estipulado em lei para uma criança viver em um abrigo, mas o que acontece na prática é bastante diferente.

A pesquisa “Tempo dos processos relacionados à adoção no Brasil – uma análise sobre os impactos da atuação do Poder Judiciário”, realizada pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) mostra que uma criança só está apta para adoção no país, em média, após quatro anos. Isso ocorre porque a adoção só é possível após a destituição do poder familiar dos pais por um juiz, porém devido à falta de estrutura e pessoal nas Varas da Infância e Juventude, onde em muitos locais não possuem juízes exclusivos à área da infância e faltam psicólogos e assistentes sociais para atender a demanda, o processo acaba levando muito mais tempo que o previsto em lei.

Obviamente o tempo não pode ser o principal fator para a definição da adoção, uma vez que é uma temática que exige cuidados e uma verificação minuciosa para que a criança tenha um ambiente adequado para o seu desenvolvimento e garantia de direitos. Porém também não pode ser deixada de lado, pois afeta diretamente a questão do convívio familiar e a probabilidade de ocorrer à adoção.

O desafio fica mais claro quando se observa os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do CNA, que apontam que apenas 25,6% das famílias cadastradas aceitam adotar crianças com quatro anos ou mais, enquanto o número de crianças aptas para adoção abaixo dos quatro anos representa pouco mais de 4%. Já as famílias que aceitam a adotar crianças acima de 10 anos não chega a 1%, sendo que elas representam 57% da população das unidades de acolhimento. Ou seja, quanto mais tempo permanecem institucionalizados, menores serão as chances de adoção.

É importante ressaltar também que, por melhor que seja uma instituição de acolhimento, ela jamais será capaz de prover o afeto e vínculos familiares, tão necessários e benéficos para a construção da identidade social, cultural e pessoal de crianças e adolescentes. Somado a isso, dificilmente os jovens que crescem em instituições encontram suporte para o início de suas vidas após saírem das entidades.

É urgente fortalecer as políticas e investimentos na área de adoção para que tenhamos uma estrutura adequada que permita maior diálogo entre juízes, setores técnicos e promotoria para, dessa forma, cumprir os prazos estabelecidos por lei tanto para a reintegração a família biológica quanto para a destituição. A consulta pública é uma oportunidade para aprimorarmos a lei, assegurarmos mecanismos para que as crianças não fiquem eternamente em um período de adoção e, dessa forma, buscar a garantia de seus direitos e criar oportunidades para que tenham um ambiente adequado para o seu desenvolvimento.

Marcello Richa é presidente do Instituto Teotônio Vilela do Paraná (ITV-PR)

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