Educadora Carolina Delboni faz um alerta e ressalta a importância das relações pessoais na primeira infância: “Não existe tecnologia capaz de reproduzir as sensações”
É fato que seres humanos nascidos a partir de meados dos anos 2000, têm a tecnologia intimamente ligada às suas vidas, praticamente, desde o primeiro momento em que chegam a esse mundo, como se fosse (e para muitos é) um item de primeira necessidade.
E quanto mais o tempo avança, mais essa tecnologia se instala na vida das pessoas, já em seus primeiros anos de vida. Hoje em dia, não é raro vermos crianças ainda na primeira infância, de 0 a 6 anos, com os olhos colados em telas de celulares, tablets e dispositivos do tipo, escorregando os dedinhos pelas páginas e interagindo com os equipamentos por horas a fio.
Apesar de inúmeros alertas feitos por especialistas, nem sempre é fácil equilibrar essa balança e dar aos pequenos um dia a dia mais harmônico fora da vida nas telas.
“Ainda que eles tenham nascido num contexto totalmente digital, onde não há distinção entre mundo físico e virtual, é necessário que os pais estejam atentos aos efeitos colaterais causados pela permanência em dispositivos tecnológicos”, diz a educadora e especialista em comportamento adolescente, Carolina Delboni, ressaltando que crianças e adolescentes de hoje são nativos digitais.
Exagero que leva a transtornos
De acordo com recente pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde e Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em 13 capitais do Brasil, um terço das crianças brasileiras de até cinco anos (33%) passam mais de duas horas, diariamente, à frente das telas, assistindo programas ou jogando.
O índice de permanência das crianças nas telas apontadas no levantamento fica bem acima do recomendado pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Segundo a instituição, menores de 2 anos não devem ser expostos aos dispositivos. Já para os pequenos de até 5 anos, o uso deve ser limitado a, no máximo, uma hora por dia.
Ainda de acordo com o Ministério da Saúde, estudos já mostraram que o uso excessivo de telas por parte das crianças é um dos fatores que influenciam no atraso de desenvolvimento. Afinal, os pequenos precisam brincar, interagir com os pais, responsáveis, e outras crianças, e terem atividades que ajudem a desenvolver as sensações, imaginação, criatividade, coordenação motora e a inteligência emocional.
“Não existe tecnologia 4D capaz de reproduzir as sensações, por mais que ela avance. E, não à toa, crianças que cresceram passando horas à frente das telas, muitas vezes, se transformam em adolescentes com problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade, irritabilidade, transtornos no sono e alimentação, entre outros pontos negativos que vão refletir para toda a vida”, analisa Carolina.
A importância do toque físico, e não nas telas
A vida corrida dos tempos modernos, os inúmeros afazeres de pais, ou responsáveis, de crianças pequenas, e as multitarefas, que fazem com que a pessoa precise se desdobrar em mil, acabam tornando as telas aliadas na hora de distrair os pequenos.
Quantas mães, mesmo sabendo que não é o correto, dão o celular nas mãos dos filhos para que eles foquem a atenção no dispositivo e elas possam se dedicar às atividades da casa? Ou fora da residência, em um passeio com amigos, no restaurante… Sempre há uma criança conectada aos dispositivos para não se sentir entediada e dar tranquilidade aos pais.
Mas está aí um erro muito grave. Segundo Carolina Delboni, a partir do momento em que o adulto entrega um celular, tablete ou iPad nas mãos de uma criança, simbolicamente, está passando o controle da situação para ela e esse é um caminho sem volta.
“É aí que os pais começam a perder o “controle” e passam a ceder a todos os ataques, choros, birras e gritos dos filhos. Quem deve colocar limites são os responsáveis, não a criança. A coisa mais perigosa que tem é entregar o poder de decisão nas mãos de uma criança. Quem decide, põe limite, dá regra, é o adulto. E se você não faz isso na infância, está perdido quando seu filho chegar à adolescência. Porque o limite que você não deu na infância, não se coloca na adolescência.”
Com toda essa problemática, Carolina Delboni volta a ressaltar que os pais devem estar muito atentos e oferecerem outros tipos de distração para os filhos, afinal, tela não é brincadeira de criança, principalmente na primeira infância.
“É clara a necessidade, e importância, tanto para crianças, quanto para os adolescentes, dos afetos físicos, aqueles em que se sente o toque, o cheiro e o calor do outro. São esses pontos que darão ao ser humano as habilidades sociais para o resto da vida, e isso deve começar na infância. A essência do ser humano edifica-se na relação com o outro, e não com a frieza de uma tela”, pontua a especialista.
Sobre Carolina Delboni (@carolina_delboni)
Carolina Delboni é jornalista e decidiu dedicar-se à educação e às questões da adolescência. Educadora e pesquisadora do comportamento adolescente, é formada em psicanálise da adolescência, mãe de três jovens e autora do livro Desafios da Adolescência na Contemporaneidade: Uma Conversa com Pais e Educadores.